Friday, April 28, 2006

Sonho no ar

Tive um sonho bonito. Faz tempo e tive vontade de acordar para continuar lembrando das cores e dos ares. Ainda bem que a memória tem pregas e mais pregas que escondem pequenos momentos. Sonhei que corria na praça. Era pequena. E tinha uma espécie de alegria pequena quando chegava perto da pracinha. Nem sabia que era alegria. Um bater no peito que pedia corrida. A última esquina próxima à pracinha tinha um impulso extra. Era bom atravessar no chão com o pé nas pedras. E saltar. Cair no passeio da pracinha. Era liso e bonito com desenho que acolhia umas sementinhas pequenas nos orificiozinhos. Uma semente verde que dá em cachos e também em pracinhas. O passo final da rua caía no ar. Era uma delícia. Dois passos largos intercalados com um miúdo que só criança sabe dar. Eu sinto dentro ainda aquele infinito que ficava no ar. E sempre no segundo passo havia tempo para escolher qual o caminho - o que contornava os dois lados do quadrado ou o que cortava o losango. O do meio tinha mais coisa. Tinha o violão de cimento no meio da praça. Uma coisa que eu achava lindo. Era bom sentar na beirada do violão e também correr à sua volta. Servia de limite para um tanto de coisa. Em cima, virava um palco ou a mesa dos álbuns de figurinha. Toda praça deveria ter um violão de cimento. Era violão sem o braço, mas era violão. Tinha também o mastro verde e amarelo de madeira. Muito alto que servia de pau de sebo na semana santa. Numa época, o centro da pracinha abrigava uma TV. Nem todo mundo tinha. Era preto e branco num monumento feito pra ela. Era a coisa mais moderna quando se pensava em publicidade. Havia letreiros coloridos de propagandas dos comerciantes e também do prefeito. Era melhor que ver TV em casa. Na pracinha, as crianças participavam (ouvindo) dos comentários e risadas dos adultos. Depois o monumento foi sendo depredado. Eu ajudei. Toda criança queria arrancar com pedradas as letras coloridas do seu nome. Mas o melhor era o busto do Nelson de Sena. Nem sabia quem era. Sabia que era parente do Pereira do bar. O busto era careca e esta era bom lugar de assentar. Coisa errada. O busto ganhava barro na cara, bigode e tinta. Até quebraram o busto. Ele é o que resta hoje na pracinha. O resto, cada prefeito foi modificando. Mas no sonho o que era forte era o voar. No caminho do meio, eu saltei tão alto que minha cabeça quase passou as folhas pequenas altas da árvore verde. Era um verde claro. No alto do salto, olhava e via o azul entre as folhas que dava falta de ar. Uma sensação quase de medo, mas de encantamento. No sonho, tentava saltar mais e mais, até que passei da copa. Os saltos chegavam no céu e de lá via a pracinha quadrada, redonda no meu coração.

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