Wednesday, August 16, 2006

INSS

Flutuo em fatos estranhos. Numa fila do INSS, penso nas pessoas como gelatina colorida cortada em cubos num caldo viscoso de leite. Há um calor que não movimenta o creme de corpos flácidos. Cada qual destacando-se por sua rasa fluidez. O homem gordo quer brigar. Se resolver apertar o guarda, quebrará seus ocos ossos de mesmices. A televisão sem som mostra imagens disformes que se dissolvem no velho prédio inerte. As paredes cinza lembram bolor de pão umidecido. A moça feliz, gelatina vermelha no caldo espesso, reclama suas dores com dentes brancos. Há um zarolho sem cor. Seu nariz avança em direção ao queixo sem notar sua boca murcha. Já não rasga ou morde mais a vida. A mulher idosa de cabelos longos já não os pinta, nem sequer os corta. Sua face triste mistura suas feições. Ela já não tem feição definida. São olhos e boca, ouvidos dissolvidos na impregnante vida árdua. A velha obesa corta os cabelos e os tinge de acaju da cor de seus óculos baratos. Seu batom derretido quer conformar sua boca sem contornos. Suas peças de roupa têm distintos estampados coloridos para transvestir sua vida sem graça. O sol exsolve suas expectativas. O homem de blusa quente com longas mangas e calça de tecido espesso balança o pé vesaniamente. Seu bigode é austero e ele não se mistura. Um outro moreno de camisa aberta, mostra seu peito melado de cabelos oleosos. Sua testa brilha e ele parece feliz. Alguma no canto sentada, deita-se sobre as pernas e parece verter pelo chão. Faz cara de desprovida. Seu sofrimento é o do mundo. Uma senhora de fala baixa, distingue-se por suas vestes muito claras e velhas. Esta compõe o creme dando liga, pois conforma-se. De repente, a idosa obesa levanta-se e parece pisar sobre calos doloridos. Sua boca franzida movimenta-se de acordo com seu caminhar. É difícil ser autônoma. Enfeita-se tanto para sentir a independência que já não tem. Uma outra, bem anciã, se destaca pelo cabelo lilás e blusa amarela. As suas cores complementares tentam vibrar. Ela vem andando em direção à cadeira e ao chegar perto, solta o corpo do alto. Já não consegue abaixar-se devagar.
Seus glúteos desencarnados padecem. Todos são suados. As mãos são quentes e os rostos com mais sinais diluídos. Querem voltar para casa depois de ganharem algum benefício. A gelatina estranha faz secar minha boca. Não tenho saliva para engolir. O leite talhou e uma água amarela toma a superfície.

1 Comments:

Blogger Luisa Godoy said...

muito bom, jana! que vigor na escrita!

3:09 PM  

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