Sobre contos e cabelos
Sobre contos e
cabelos
Agora entendo um pouco mais
os contistas. Digo “um pouco” para não lhes diminuir o
valor.
As
crônicas ou contos nascem, na sua maioria, do cotidiano. Este, o que vou contar, apareceu como grandes e agora pequenos fios...
Claros, antes. Hoje, escuros.
O grande
barato de escrever é você soltar uma bolha no ar e esperar que alguém a
arrebente. Com um toque. Sutil. Você acompanha com os olhos e quando sente, já
tocou. Já se tocou. Por acompanhar bolhas no ar, começo a entender os
contistas.
Sobre os fios: Fios
sugerem uma vasta amplitude metafórica – tudo na vida pode ser tênue como um fio
ou duro como um fio. Fios que adornam, ligam, amarram e por fim, dão segurança.
Quando comecei a dar conta de como fios de cabelo me eram caros, sempre os
juntava antes de jogá-los fora. Media e comparava a quantidade com a vez
anterior. Descobri, hoje, literalmente, que lavar a cabeça foi um ato de coragem
há uma semana adiado – esta foi a semana na qual mais me caíram os cabelos. E a
poesia toda deste conto surgiu dos azulejos brancos do banheiro. O desenho que
os fios formavam ao serem grudados na parede, me fascinou. Não sei se porque
agora procuro poesia em tudo. Na verdade, sempre gostei de poesia. O
desenho poético dos fios na parede. Só fotografia poderia mostrar. Difícil
descrever... Alguns retos curtos sobre grandes sinuosos, outros bicolores
entrelaçados. Claros e escuros. Enfim, desejo ainda desenhá-los ao invés de
descrevê-los.
(Outra
poesia: Quando fiz a cintilografia, além do frio do ar condicionado, sentia
medo. Vários medos. Medos concretos e abstratos. Com e sem adjetivos. Foi
indolor. Só frio. Sem dor física. Quando no final, a Doutora chamou-me. Quis ver
as imagens. Saber o prognóstico. Achei tudo muito indefinido, com contornos
pouco precisos. Mas, achei lindo! É linda a imagem do Tumor na tela.
Policromático e disforme – cores várias, sem contornos próprios e infinitos.
Quis pintá-lo numa tela. Como uma poesia).
A queda
dos cabelos exemplifica o rompimento do “fio”. Ou da teia dos fios. Escancara a
sua fragilidade. Expõe os sentimentos dos outros por você. Limita a sua
feminilidade. Reforça o seu apego. “Desdelineia” seu contorno. E se eu
falasse do inverso dessas frases? Do lado positivo... Da poesia? Ah! A poesia!
Ela é apenas um placebo nestas horas...
Comecei
falando de contistas. Juntando o fim ao início, eu diria que contistas,
cronistas, poetas e afins sabem desfrutar do “placebo” que é a escrita. Saber
contar coisas alegres e tristes é como se beneficiar de uma nova droga, com a
vantagem de pertencer ao grupo controle. Aquele que sabe do benefício da droga
em teste, mas faz o uso de comprimidos de farinha sem saber. O placebo costuma
agir melhor que a droga em si. Assim é escrever, abstrair e criar qualquer
coisa. Você acaba, às vezes se confundindo... O que importa, o que não
importa...Vai assim, deixando a vida mais leve como bolhas de sabão... Como fios
de cabelo no ar...
OBS: Escrevi há exatos 8 anos, quando fazia ivestigação do Linfoma de Hodkin. Adoro meu cabelo. Minha vida. Minha cura!!
0 Comments:
Post a Comment
<< Home