Tuesday, January 22, 2013

Sobre contos e cabelos

Sobre contos e cabelos


Agora entendo um pouco mais os contistas. Digo “um pouco” para não lhes diminuir o valor.

As crônicas ou contos nascem, na sua maioria, do cotidiano. Este, o que vou contar, apareceu como grandes e agora pequenos fios... Claros, antes. Hoje, escuros.

O grande barato de escrever é você soltar uma bolha no ar e esperar que alguém a arrebente. Com um toque. Sutil. Você acompanha com os olhos e quando sente, já tocou. Já se tocou. Por acompanhar bolhas no ar, começo a entender os contistas.

Sobre os fios: Fios sugerem uma vasta amplitude metafórica – tudo na vida pode ser tênue como um fio ou duro como um fio. Fios que adornam, ligam, amarram e por fim, dão segurança.
 
Quando comecei a dar conta de como fios de cabelo me eram caros, sempre os juntava antes de jogá-los fora. Media e comparava a quantidade com a vez anterior. Descobri, hoje, literalmente, que lavar a cabeça foi um ato de coragem há uma semana adiado – esta foi a semana na qual mais me caíram os cabelos. E a poesia toda deste conto surgiu dos azulejos brancos do banheiro. O desenho que os fios formavam ao serem grudados na parede, me fascinou. Não sei se porque agora procuro poesia em tudo. Na verdade, sempre gostei de poesia. O desenho poético dos fios na parede. Só fotografia poderia mostrar. Difícil descrever... Alguns retos curtos sobre grandes sinuosos, outros bicolores entrelaçados. Claros e escuros. Enfim, desejo ainda desenhá-los ao invés de descrevê-los.

(Outra poesia: Quando fiz a cintilografia, além do frio do ar condicionado, sentia medo. Vários medos. Medos concretos e abstratos. Com e sem adjetivos. Foi indolor. Só frio. Sem dor física. Quando no final, a Doutora chamou-me. Quis ver as imagens. Saber o prognóstico. Achei tudo muito indefinido, com contornos pouco precisos. Mas, achei lindo! É linda a imagem do Tumor na tela. Policromático e disforme – cores várias, sem contornos próprios e infinitos. Quis pintá-lo numa tela. Como uma poesia).

A queda dos cabelos exemplifica o rompimento do “fio”. Ou da teia dos fios. Escancara a sua fragilidade. Expõe os sentimentos dos outros por você. Limita a sua feminilidade. Reforça o seu apego. “Desdelineia” seu contorno. E se eu falasse do inverso dessas frases? Do lado positivo... Da poesia? Ah! A poesia! Ela é apenas um placebo nestas horas...

Comecei falando de contistas. Juntando o fim ao início, eu diria que contistas, cronistas, poetas e afins sabem desfrutar do “placebo” que é a escrita. Saber contar coisas alegres e tristes é como se beneficiar de uma nova droga, com a vantagem de pertencer ao grupo controle. Aquele que sabe do benefício da droga em teste, mas faz o uso de comprimidos de farinha sem saber. O placebo costuma agir melhor que a droga em si. Assim é escrever, abstrair e criar qualquer coisa. Você acaba, às vezes se confundindo... O que importa, o que não importa...Vai assim, deixando a vida mais leve como bolhas de sabão... Como fios de cabelo no ar...
OBS: Escrevi há exatos 8 anos, quando fazia ivestigação do Linfoma de Hodkin. Adoro meu cabelo. Minha vida. Minha cura!!

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